“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”

Léon Tolstoi

quarta-feira, 1 de junho de 2011

As mãos como linguagem: cegos, surdos e mudos

Fonte: Banco de Imagens

Aprender uma língua não é apenas uma questão de gravar palavras e frases individuais. A essência da linguagem é a capacidade de juntar palavras em novas combinações. De acordo com o professor de Harvard e lingüista Steven Pinker, os dois motores da linguagem seriam a memorização das palavras e a combinação de pedaços de palavras de acordo com as regras. No início de sua obra O material do pensamento, ele diz: "A linguagem é uma janela para a natureza humana, que expõe características profundas e universais de nossos pensamentos e sentimentos. Os pensamentos e sentimentos não podem ser equacionados aos sentimentos propriamente ditos". A linguagem nos abre uma janela para nossa natureza.

Apesar de todas as potencialidades da linguagem, parece que existem áreas nas quais a ela é inaproriada ou insuficiente, especialmente num relacionamento comunal (de acordo com os tipos de relacionamento identificados pelo antropólogo Alan Fiske). A linguagem não dá conta de tudo o que queremos transmitir. A idéia de incomunicabilidade pode assustar, e desse sentimento compartilham os deficientes.

Surdos, cegos, mudos e afásicos são compelidos a desenvolver linguagens específicas. Para superar suas dificuldades comunicacionais, eles criam e recriam códigos. São novas formas de ver e ler o mundo, de senti-lo, por exemplo, na palma de suas mãos.

A Aquisição do Braile

Fonte: Banco de Imagens

A aquisição do braile enquanto linguagem leva de 3 a 4 anos,substancialmente mais que a linguagem verbal.

Não é somente da necessidade de memorização que se trata, mas também de noções complexas como a de quantidade e desenvolvimento de coordenação motora para o manejo do reglete e da punção (instrumentos com os quais se escreve). Ademais, os cegos precisam associar os significantes aos significados, e nesse ponto o processo se complica, já que seu modo de conhecer, pela audição e pelo tato, difere do método pedagógico mais comum.
O costume é abusar do sentido da visão para “mostrar o mundo” aos alfabetizantes, seja com figuras, recortes de letras em revistas, recursos multimídias, referência a outdoors e propagandas visuais, etc.

A noção de quantidade é necessária à medida que o braile se estrutura em combinações matemáticas de pontos numerados de 1 a 6. Os números por si próprios já são signos, cujo significado é a própria noção de quantidade. Após a compreensão da linguagem matemática, é preciso associar a posição espacial dos pontos a sons. Isso implica num esforço mental maior que o da aprendizagem do alfabeto romano.

Para os alfabetizantes videntes, conhecer implica em ver, o que não serve para os cegos. Eles precisam tatear, e por conseqüência, explorar os objetos. Assim, a função háptica (tátil) substitui a visual no conhecimento de estruturas em três dimensões, mas leva mais tempo para ser desenvolvida e aplicada. A função auditiva, conforme o pensador americano Jackendoff, está ligada ao conhecimento corporal e à dança, e por isso também ao conhecimento geométrico em três dimensões.

No entanto, pode-se aprender a conhecer tão eficaz e rapidamente com os ouvidos como com os olhos, o problema é o atraso do método educacional para alfabetizar em braile. Como se lança mão de recursos imagéticos para os videntes, é possível utilizar em quantidade os auditivos para os cegos, como modificar sotaques e pronúncias, imitar sons, dizer letras, brincar com instrumentos musicais, manusear objetos que façam barulho, ouvir rádio e vídeos, além de exercícios de consciência corporal como (pintar dentro de círculos que imitem a letra braile, desenhar os pontos braile com a ajuda de réguas em circunferência, brincadeiras de roda com o alfabeto, dramatizações (exemplos de Adriana Riess Karnal, estudiosa de Jackendoff).

Inserir os deficientes visuais em ambientes estimulantes do ponto de vista auditivo potencializaria mais ainda a alfabetização, pois é com a linguagem oralizada eles podem receber explicações e entender melhor conceitos abstratos, com a convivência com outras pessoas que aprenderão a fazer os gestos e expressões faciais que têm significado lingüístico.

Adriana Riess Karnal propõe ainda o uso do e-braile, uma ferramenta eletrônica, para inserir os cegos no mundo digital e acelerar a aprendizagem. No lugar do mouse se acoplaria um aparelho com seis botões imitando uma célula, e seu pressionamento ordenado representaria uma letra.

Uma espécie de áudio-book reagiria à “digitação” e reproduziria o som correspondente à palavra, constituindo assim um método de estudo individual e entretenimento. Pode-se ainda desenvolver o equipamento a ponto de permitir o acesso a todas as possibilidades digitais do computador.

Adaptação de “O processo de alfabetização de crianças cegas em braile” de Adriana Riess Karnal

Libras

Fonte: Banco de Imagens
É a sigla da Língua Brasileira de Sinais.As Línguas de Sinais (LS) são as línguas naturais das comunidades surdas.

Ao contrário do que muitos imaginam, as Línguas de Sinais não são simplesmente mímicas e gestos soltos, utilizados pelos surdos para facilitar a comunicação. São línguas com estruturas gramaticais próprias.Atribui-se às Línguas de Sinais o status de língua porque elas também são compostas pelos níveis lingüísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico. O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas oral-auditivas são denominados sinais nas línguas de sinais. O que diferencia as Línguas de Sinais das demais línguas é a sua modalidade visual-espacial. Assim, uma pessoa que entra em contato com uma Língua de Sinais irá aprender uma outra língua, como o Francês, Inglês etc.

Os seus usuários podem discutir filosofia ou política e até mesmo produzir poemas e peças teatrais.

A LIBRAS tem sua origem na Língua de Sinais Francesa. As Línguas de Sinais não são universais. Cada país possui a sua própria língua de sinais, que sofre as influências da cultura nacional. Como qualquer outra língua, ela também possui expressões que diferem de região para região (os regionalismos), o que a legitima ainda mais como língua.

Sinais

Os sinais são formados a partir da combinação da forma e do movimento das mãos e do ponto no corpo ou no espaço onde esses sinais são feitos. Nas línguas de sinais podem ser encontrados os seguintes parâmetros que formarão os sinais:

Configuração das mãos: São formas das mãos que podem ser da datilologia (alfabeto manual) ou outras formas feitas pela mão predominante (mão direita para os destros ou esquerda para os canhotos), ou pelas duas mãos.

Os sinais DESCULPAR, EVITAR e IDADE, por exemplo, possuem a mesma configuração de mão (com a letra y). A diferença é que cada uma é produzida em um ponto diferente no corpo.

Ponto de articulação: é o lugar onde incide a mão predominante configurada, ou seja, local onde é feito o sinal, podendo tocar alguma parte do corpo ou estar em um espaço neutro.

Movimento: Os sinais podem ter um movimento ou não. Por exemplo, os sinais PENSAR e EM-PÉ não têm movimento; já os sinais EVITAR e TRABALHAR possuem movimento.

Expressão facial e/ou corporal: As expressões faciais / corporais são de fundamental importância para o entendimento real do sinal, sendo que a entonação em Língua de Sinais é feita pela expressão facial.

Orientação/Direção: Os sinais têm uma direção com relação aos parâmetros acima. Assim, os verbos IR e VIR se opõem em relação à direcionalidade.

As convenções da Libras

A grafia: os sinais em libras, para simplificação, serão representados na Língua Portuguesa em letra maiúscula. Ex.: CASA, INSTRUTOR.

A datilologia (alfabeto manual): usada para expressar nomes de pessoas, lugares e outras palavras que não possuem sinal, estará representada pelas palavras separadas por hífen. Ex.: M-A-R-I-A, H-I-P-Ó-T-E-S-E.

Os verbos: serão apresentados no infinitivo. Todas as concordâncias e conjugações são feitas no espaço. Ex.: EU QUERER CURSO.

As frases: obedecerão à estrutura da LIBRAS, e não à do Português. Ex.: VOCÊ GOSTAR CURSO? (Você gosta do curso?)

Os pronomes pessoais: serão representados pelo sistema de apontação. Apontar em LIBRAS é culturalmente e gramaticalmente aceito.

Para conversar em LIBRAS não basta apenas conhecer os sinais de forma solta, é necessário conhecer a sua estrutura gramatical, combinando-os em frases.

Além disso, existe uma série de siglas e jargões no universo das libras.
A linguagem de sinais também é usada pelos mudos.

A aquisição da linguagem pela criança surda

Alguns anos após a inclusão da língua de sinais nos estudos lingüísticos, foram iniciadas pesquisas sobre o processo de aquisição da linguagem em crianças surdas filhas de pais surdos.

Essas crianças têm a oportunidade de acesso a uma língua de sinais em iguais condições ao acesso que as crianças ouvintes naturalmente têm em uma língua oral-auditiva. Frisa-se a palavra "oportunidade" porque representam apenas 5% das crianças surdas, ou seja, 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, os quais, quase sempre, não dominam uma língua de sinais.

No Brasil, a LIBRAS começou a ser investigada em estudos na década de 80 e a aquisição da LIBRAS nos anos 90.

Estudos da aquisição da linguagem infantil realizados nas línguas de sinais e nas línguas orais revelaram a presença de algumas generalizações interlingüísticas e intermodais em relação à produção dos primeiros sinais e em relação ao desenvolvimento do vocabulário. Tais estudos trouxeram para discussão a precedência de aquisição de sinais em relação à aquisição de palavras no período de aquisição da linguagem.


Tecnologia para portadores de deficiência visual
Os ledores de tela


Para um cego, ao contrário do que se possa pensar, a internet também facilita a vida. Existem equipamentos chamados "ledores de tela", que lêem os códigos da web e os reproduzem sonoramente por meio de sintetizadores de voz. Os cegos, precisam, no entanto, aprender códigos como o html, em que certas páginas são escritas, para entendê-las de todo.

O problema do acesso desse tipo de deficiente ao mundo digital não é pequeno, pois é difícil convencer todos os produtores de conteúdo na web a usarem códigos acessíveis à leitura dos cegos. Certos webdesigners precisam de linguagens complicadas para aplicar cores variadas, formas e gráficos complexos em sites.

As páginas de bancos, cujos gráficos de cotação da bolsa e outras atividades econômicas costumam ser muito elaborados, são praticamente ilegíveis desta forma. O aproveitamento do serviço bancário online seria essencial para ao conforto de um cego, pois este poderia pagar suas próprias contas sem sair de casa, reduzindo a possibilidade de ele ser logrado por outrem ou perder a privacidade.

Há um serviço de busca no Google chamado Accessible Search (Busca Acessível) que organiza os sites em ordem de simplificação de linguagem, facilitando o uso dos ledores de tela.

Inovações tecnológicas para os deficientes auditivos
Dicionário Digital


A Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (MEC) produziu o Dicionário Digital na Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, no formato CD-Rom. Foram distribuídos cerca de 15 mil dicionários para todo o país. Espera-se que cerca de 50 mil estudantes de escolas públicas brasileiras utilizem o material.

O CD-Rom apresenta as palavras em movimento na Língua de Sinais. Este produto foi criado para auxiliar a capacitação de professores que irão trabalhar com alunos deficientes auditivos do Ensino Fundamental.

O dicionário digital também está disponível na internet, no site Acesso Brasil.

Deficiências neurológicas que afetam a comunicação

A afasia, uma das principais deficiências neurológicas que afetam a comunicação, consiste na dificuldade em compor frases, escolher palavras e conectar idéias. O afásico é incapaz de fazer sínteses cerebrais de seus pensamentos. Essa dificuldade, porém, provém de uma lesão no centro cerebral responsável pela linguagem. Distúrbios motores, psicológicos ou de qualquer outro tipo não podem ser considerados afásicos, ainda que comprometam a linguagem.

A afasia é uma condição médica que desperta bastante interesse e, por isso, chegou a ser explorada em filmes e em seriados, como House.

Outros distúrbios mentais

Existem também outros distúrbios mentais que podem influenciar na capacidade de comunicação. Mesmo a paralisia cerebral, que afeta uma série de funções do organismo, pode se concentrar, por exemplo, na capacidade de ler e escrever.

Antes, as pessoas ditas "anormais" eram excluídas da categoria de cidadãos: não tinham participação ativa no mercado de trabalho,sofriam preconceitos na sociedade e inclusive no seio da família por serem consideradas no mínimo "diferentes"; era-lhes negado o direito à palavra como contribuição para o conhecimento e o debate intelectual; e também era-lhes imposto um isolamento dos círculos sociais dos "normais". Ser deficiente era trazer um problema para todos que convivessem com a pessoa.

O paradigma da exclusão, depois de uma longa luta dos deficientes e dos simpatizantes de sua causa, deu lugar ao da inclusão, que tem suas limitações, mas caminha para a eliminação das barreiras do preconceito. A discriminação provém de idéias arraigadas no imaginário coletivo das pessoas, produtor da opinião pública mais tradicional.

Fonte: http://www.jorwiki.usp.br/gdmat08/index.php/As_m%C3%A3os_como_linguagem:_cegos,_surdos_e_mudos

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